sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Brasilianas 3 - CCBB e o Renascimento.

Rafael: Cristo benedicente.
A prova de que tamanho não é documento
quando a questão é arte.
Pessoinha escuta a palavra "renascimento" e o nome "Leonardo da Vinci" e se entusiasma toda. A alma até arrepia. Uma obra do grande mestre do renascimento aqui, no Brasil? Em Brasília? Que maravilha! A vida é bela enquanto as cigarras cantam. 
Sem falar que Leonardo estaria super bem acompanhado dos mestres Rafael, Botticelli, Ticiano, Bassano, Parmigiano (não é o bife com molho), Veronese, Dosso Dossi, Lotto, Michelangelo dentre outros grandes. 
Vamos ao CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil então? Como não?!? Claro que sim!!! 
Fui nessa quarta feira, levando uma amiga junto. Volto para casa, maridex vem todo contente então, dizendo que haveria um passeio (pessoal do trabalho dele) na quinta de noite num tour guiado e que já tinha confirmado nossa presença pq sabia que eu ia "amar". 
Fofo, né?
Ver os renascentistas dois dias seguidos? Sim, sim e sim. Apesar de tudo. Apesar de tudo....

CCBB - As obras renascentistas estão no "bunker" redondo à esquerda.


Bom demais pra ser verdade... pausa para aquele momento em que banco a estraga-prazer. Vai ser rapidinho. Só que não.
Antes de falar da expo vamos ao CCBB em si. Mais uma obra de quem? Perguntinha boba... Niemeyer, claro! No bunker à esqueda, fechado, sem janela, sem iluminação natural, pequeno e apertado, socaram as 56 (ou eram 57?) obras do renascimento italiano. Se já não era fã do arquiteto... depois de visitar essa "galeria" minha vontade foi matar o infeliz. Sorte que ele já está morto. O cara nunca pensou mesmo no indivíduo, não é? Quem se importa com o conforto do apreciador de arte que atraído pelo canto da sereia: "renascimento"... "leonardo"... Sai de casa para se enfiar naquela arapuca de concreto sem graça. Parece uma prisão de segurança máxima. Custava uma vez na vida pensar no ser humano que visita esses monstrengos que o senhor construia? Custava?!? Qual a dificuldade? 
Aff. 
As obras de arte ficaram amontoadas num mini labirinto onde não havia espaço para admirar nenhuma delas com decência. Se der mais do que 5 passos para trás... bate em uma parede ou em outra obra de arte, ou num segurança.
Aff.
Zilhares de seguranças em volta, pareciam micuins em meia, amontoando ainda mais o espaço pequeno , sufocante e já lotado. 
Aff. 
Proibido tirar fotos (ódio level infinito). Se estivesse no museu de onde as obras vieram... poderia. Aqui, não!
Aff.
Proibido receber chamadas de celular. Desligue ou coloque no mudo. Há alguma pesquisa nova provando que as ondas emitidas por celulares fazem mal às pinturas? Que novidade é essa? 
Aff.
Algum sofá? Um banquinho duro que seja para sentar na frente das obras principais e apreciar com tempo, reverência e calma devidos?  Não, claro que não. Não e NÃO!!! Mal havia espaço pra obras, que dirá pra colocar um reles banco pros visitantes. 
Aff.
Proibido entrar com água ou comida.
Aff.

Gente, me senti tratada como se fosse um macaco selvagem ali. Ofensivo. O que o CCBB  acha que um visitante de uma exposição dessas vai fazer? Jogar refrigerante nas obras? Fazer uma "intervenção restauradora" ao estilo da velhinha espanhola? Cêjura? Não posso sequer atender meu celular? É brincadeira?!? Total falta de respeito com o público. E falta de respeito também com a arte... lugarzinho ruim, pequeno, acanhado e feio de doer para colocarem obras de tal importância. Não tinha um espaço maior ou melhor, não?
Reclamação feita, vamos deixar o CCBB e a droga do seu arquiteto pra lá.

Como o CCBB acha que eu sou (e vou me comportar).

Como eu realmente sou, rs.

Como expliquei para um anonimous que me chamou de "metidinha". Não sou metidinha, caro. Sou metida, esnobe, chata, burguesa, creída, enojada e mucho más. E não é pouca coisa que me agrada e recebe meu sorriso e selo de recomendação ou aprovação. Mais fácil conquistar um ISO 42037!

Uma exposição sobre o renascimento, claro que a princípio, vai mais do que me agradar. Vai me fazer babar e bater palminhas, na real. SE tivesse sido bem apresentada. Mas... ainda assim, é uma exposição de arte renascentista, no quintal da minha casa e isso é melhor do que nada. Por pior que seja o bunker onde foi posta ou por menor que seja o espaço para a apreciação das obras. Tudo é superável quando se vê diante de um Rafael, de um Ticiano, de... um Leonardo! Só que a tonta aqui foi pra lá sem pesquisar antes que quadro de Leonardo eles estavam apresentando. Pensando bem. Quem  se importa? Em se tratando de um Da Vinci... pouco importa qual. Exceto SE... bem, vamos deixar isso para o fim. Suspense.

Algumas obras são realmente fabulosas e vou dar destaque as que mais me agradaram. Só a possibilidade de ver ao vivo qualquer uma delas vale a visita, sob qualquer circunstância, ao CCBB. Ah, para não ficar só reclamando, achei bem bolada a divisão das obras pela cidades em que foram criadas. Grandes artistas naquele tempo eram tão ou mais valorizados do que jogadores de futebol hoje em dia. Foi interessante ver o lugar de onde começaram e por onde passaram, ao longo da carreira. Ponto positivo para quem teve a ideia. Viu, não sou um monstro sem coração? Elogio sempre que acho merecido.

Pinturas OMG em ordem de ohhhhhhhhhhhhhhhs:

Tintoretto: Assassinato de Abel.
Mais do que uma aula de anatomia humana, é um exemplo perfeito do renascimento no seu auge. O tema, apesar de bíblico, é apresentado de forma mundana, uma cena possível e "real", despida de qualquer "santidade". A surpresa de Abel, despreparado para o ataque, a força e a raiva de Caim... o movimento e dos braços e mãos, uma obra "viva" de uma beleza tocante e cruel.  Só ela, já vale o sacrifício de se enfiar no bunker do CCBB. Está no subsolo, bem no fim da expo.

Ticiano: Madalena.
 É um Ticiano, isso basta para receber mil suspiros meus. Sua "Madalena" ´é digna, elevada, contemplativa, nada haver com as clássicas madalenas arrependidas jogadas no chão, envoltas de vergonha e humilhação. Ticiano a traz refeita e já perdoada de seus pecados, com uma tocante lágrima escorrendo pelo olho esquerdo. O livro e a caveira, presentes, remetem ao conhecimento e questão da mortalidade da carne X imortalidade da alma. No lado esquerdo, um pequeno vaso (de perfume?)  lembra com suavidade o passado libidinoso da personagem. Não sei o motivo pelo qual pintam as Madalenas loiras... será que o mito da loira  ser mais sexy e devassa já existia desde aquela época? Essa ao menos não é tãooooooooo loira, seus cabelos são de um belo tom cor de mel. Sozinho, Ticiano já "segura" toda mostra.


Lotto: Adoração dos Pastores.
Pode ter algo mais fofo do que esse menino Jesus brincando com a ovelha?  Own... Maria está belíssima, terna e serena, já os pastores... bem, só a cara de tédio dos anjos ganha da expressão de "o que estou fazendo aqui?" deles. A ovelhinha e o menino salvam o quadro. 
Bocatti: Virgem do leite com anjos.
Não conhecia nem o pintor e muito menos a obra. Achei super interessante, para não dizer horripilante...  agora sei de onde tiraram a estética do filme Drácula, de Bram Storker. O menino Jesus com a cabeça deformada tá o próprio conde e os anjos mais parecem vampiros. Medoooooooooooo! Fica na ala Urbino-Ferrara. 
Botticelli. Meu povo... é um afresco de BOTTICELLI.
Nome da obra: Santo Agostinho escrevendo.
A pintura é deslumbrante. Daquelas que mereciam um sofá (numa distância adequada) para ser apreciada por horas e horas a fio. Claro que... não rola. Se você quiser ficar na posição ideal para sua contemplação vai tem que invadir o espaço do Cristo de Rafael, que está na parede oposta daquele corredor. Nada é perfeito...  O que significa ser um afresco?  Que ela foi pintada em gesso "fresco" diretamente numa parede. Que recortaram essa parede e trouxeram para cá. Pensa numa operação delicada de precisão cirúrgica para não danificar a obra. Sentiu o drama e a loucura? Inacreditável. 

Rafael: Retrato de Elizabetta Gonzaga.
Esse quadro merece atenção. É uma tela "atribuida" a Rafael, ou seja há um consenso MAS não uma certeza de que seja um Rafael. Façamos de conta que é um Rafael. Um Rafael contido, duro... ainda no início da sua carreira, nos primórdios do renascimento.  
A história por trás do quadro é interessante. Conheci (obra e história)  lá na Galleria Uffizi em Florença, sua "casa" de origem. A dama em questão é a duquesa de Urbino (cidade natal de Rafael), tida como uma mulher fiel e decente, apesar do marido impotente. Sem poder ter filhos, tornou-se uma provedora das artes, uma mecenas. Depois da morte do duque Federico Montefeltro governou o ducado com competência, chegou a enfrentar um papa - Leão X, defendendo o trono para seu "sobrinho" adotivo. Eis que Rafael a pinta com um escorpião na testa e se muda da cidade, que não é bobo. Escorpião, símbolo da traição. Tem que ter peito pra fazer uma acusação "artística" dessas, ainda nos primórdios da carreira. Aí a debilóide da guia  mediadora do CCBB me solta que... o escorpião simboliza a sabedoria e inteligência da duquesa. Vamos combinar? 

Bassano: São Jerônimo.
Um dos santos preferidos pelos renascentistas, sempre há um São Jerônimo em qualquer exposição, galeria ou museu especializado. O santo com livros, o santo com leões, o santo com uma caveira por perto. Tema recorrente. Motivo? O renascimento não foi só um movimento artístico, foi também cultural, científico. São Jerônimo é um erudito,  homem das letras, responsável pela tradução da bíblica grega para o latim. Nada mais renascentista do que um homem culto, estudado e cercado de livros. É o padroeiro de todos que buscam o conhecimento em geral. Outro quadro que por si só já vale a visita.




Agora vamos ao quadro de Leonardo. Erro número um: fui para a exposição sem pesquisar antes qual quadro dele estava na mostra. Sem desculpas. SE tivesse tomado esse cuidado não teria me decepcionado. Bastava fazer uma visitinha de dois minutos no site pra evitar o problema. Não sei se é um problema para todos, MAS para mim é. Sou metida, chata de galochas, blá blá blá... já conhecem a ladainha.
A pintura chama-se Leda e o Cisne. Realmente Leonardo pintou esse quadro, que foi um furor... pois retratou a rainha Leda de Esparta nua da silva ao lado de Zeus, transmutado em cisne, conforme o mito grego. Foi considerado altamente erótico, um auê.


Onde está o quadro Leda e o Cisne de Leonardo? Perdido, na terra de LOST.
Ninguém sabe, ninguém viu e a última notícia documentada é que estaria em péssimo estado de conservação num castelo francês, lá pelos idos de sei lá quando... uns quatrocentos anos atrás.
O quadro exposto pertence à Galleria Borguese, em Roma. A chata ao cubo aqui conhece, já esteve lá. Nem a "casa" originária do quadro atribui ele a Leonardo. Sabe-se que é uma copia do original. Uma cópia magnífica, mas uma cópia. COPY!!!
print do site da exposição do CCBB: Mestres do Renascimento.

O CCBB poderia, digamos assim, dar um pouco mais de destaque a esse "pequenino" detalhe. O quadro não é um Leonardo original. É uma das várias cópias e versões feitas a partir da tela de Leonardo. A cópia pertencente à Galleria Borguese e exposta pelo CCBB é atribuída a Il Sodoma, um mestre do renascimento também. Sentiram o "atribuída"? Isso significa que... eles tem "quase" certeza de que é dele, mas não garantem. Se não há garantia de quem fez a cópia... como afirmar que ela é de Leonardo?!?  Outros grande pintores fizeram suas cópias de Leda e o cisne: Cesare da Sesto, Francesco Melzi, et cetera. O tema era comum, até Michelangelo fez a sua versão (super sexy por sinal).
Não há dúvida de que a obra é bela, que merece respeito e tudo o mais... só que não dá pra engolir a cara dura de quem afirma a autoria dela assim, na boa, como sendo um Da Vinci original. Como disse uma amiga nerd, é como dizer que o Bosón de Higgs foi descoberto por Einstein.
Enfim... bola fora CCBB!

5 comentários:

  1. Ahhhh,mas com tudo isso, sempre é bom respirar um pouco de Arte,né? Aqui em POA estamos com a Bienal à pleno vapor, pra ir o melhor é sempre agendar aqueles tours guiados,ao menos não tem tanta gente nos horários...

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    Respostas
    1. Claro que é... provavelmente voltarei na expo pelo menos umas 2X. Adoro - apesar de tudo.

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  2. Oi Gê, eu vi essa exposição em Sp, assim que chegou no Brasil. Muito linda né!
    Lá tbm não podia, mas parece que tem a ver com o contrato de empréstimo feito. Porque, em regra, podemos comer e tirar fotos lá dentro. Inclusive, dentro do CCBB daqui do rj, tem um café para os frequentadores

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  3. Gê, já que gosta de pinturas do renascimento, nesse vídeo eu mostro a simbologia da cruz em duas obras do Rafael.

    http://www.showme.com/sh/?h=1c4cKLA

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  4. É que os brazucas são tudo mal educados e com certeza iam dar algum jeito de danificar as pinturas... sendo elas verossímeis ou não...

    Kisu!

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Falaê...

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