quinta-feira, 11 de abril de 2013

Debatendo o casamento (gay ou não)

Brincando de gato e rato com um amigo que admiro, respeito e que está na lista dos top 10 mentes brilhantes que tive (tenho) a honra de conviver (ainda que a distância).  O tema espinhoso do momento é o casamento gay. Ele levantou a bola lá no canto dele e não resisti... mordi a isca sabendo que iria me meter numa encrenca. Encrenca do tipo que gosto! Para quem quiser acompanhar olhe aqui o início de tudo.


Só que todo e qualquer debate com Júnior exige um preparo maior, não dá pra ficar de gracinha como normalmente faço no insana... senão... assim sendo vamos deixar a brincadeira de lado e elevar (um pouco) o nível. Antes de tudo, só para ficar claro para todos os transeuntes internéticos, provavelmente tenho afinidades filosóficas, curiosidades intelectuais e até (salve engano) questionamentos de cunho espiritual e religioso com ele do que possa parecer. A discussão da questão não envolve lados obrigatoriamente opostos, pelo contrário. Vejo mais como sendo um bate-papo em que ambos (mais eu do que ele) vamos aprendendo com o outro. 
Não haverá guerra de tomates!  sorry...
Enjoy:
JR: "Muito interessante o que você escreveu. Resumindo os seus dois parágrafos em ideias:
1) um contrato civil entre dois seres humanos que gera direitos e deveres;
2) um encontro entre duas almas fundadas no amor.
No que se refere ao primeiro ponto, posso entender que o contrato civil, seja escrito ou não, é um fundamento para o casamento? Que a lei é uma necessidade para sua existência? A positivação do casamento em legislação, salvo engano, é relativamente recente na história humana. O que acontecia antes? Não havia casamento? Se havia casamento mesmo sem uma lei que o definia é por que a sua substância não está na lei, não concorda? Ou o casamento só veio a existir depois de sua definição em lei?
Segundo ponto, e também se refere ao primeiro. Por que dois? Por que o casamento está limitado ao número dois? Qual a base para este limite? E por que o limite de seres humanos? Por que um homem não pode casar com sua cachorra? Ou uma mulher com seu gato? Parece besteira, mas se estamos em busca do fundamento, as coisas que parecem óbvias também devem ser fundamentadas. Que princípios estamos assumindo quando limitamos o casamento a dois seres humanos? Qual a base desse limite?
Por fim, quanto ao aspecto religioso, estou colocando-o de fora dessas considerações. Estou tentando abordar o assunto apenas sob o ponto de vista racional, ou seja, filosófico. Não tenho a intenção de usar princípios de fé para tentar chegar na verdade, embora não os despreze. O caminho pela fé também é válido, como já ensinava São Tomás."
As ideias chaves são essas duas mesmas, como você bem sintetizou. Pegou completamente o "espírito" da coisa, e da causa!
É um casal. Casados? Não sei.
Acredito mesmo que o casamento tal qual conhecemos hoje é um pacto civil entre dois seres humanos que gera direitos e deveres no mundo real. O contrato civil de vida a dois devidamente escrito (casamento de papel passado no cartório) ou não (união estável) é um fundamento para o casamento? Não, claro que não. Ele apenas exterioriza a vontade das partes de a partir de determinado momento terem uma vida em comum. É forma, não conteúdo e jamais essência. Mesmo sendo mera forma, tem sim seu valor e importância, somos seres notadamente ritualísticos. O ritual nos completa, nos faz sentir parte de algo importante, empresta solenidade a algo que julgamos relevante. O ato de casar de papel passado revindicado pelos casais homossexuais só prova o quanto o reconhecimento dessa relação é importante e necessária para todos os envolvidos. Ainda que o ritual se comprima hoje em assinar determinado papel diante de um funcionário autorizado pelo Estado para validar aquele ato. Algo aparentemente simples, fácil e rápido. Mas que muda para sempre a vida de duas pessoas, quer elas tenham consciência plena disso ou não. 
Via de regra a legislação vem sempre a posteriori. Imaginar o contrário é tentar conceber um mundo jurídico que preexiste antes do mundo em que vivemos. Algo como ter-se codificado o direito positivado (positivar, de posto no papel...) antes do direito natural. Pensar nos homens das cavernas analisando a necessidade, ou não, de um pacto anti nupcial antes de descer o tacape na cabeça da noiva e arrastá-la para sua caverna é até divertido... A lei corre atrás, o legislador é alguém que sempre está correndo atrás... que vem depois, normalmente muito depois. Depois de detectada a necessidade humana de regulamentar um fato, ato ou relação, que por algum motivo, em determinado momento, chegou-se à conclusão de que eram importantes para aquela sociedade específica. A vida a dois está entre as primeiras relações a serem regulamentadas pela sociedade. E por regulamentada não falo de legislada, mas sim recoberta de forma - ainda que seja tão somente deixar a caverna natal e mudar-se para a do outro - e reconhecida como tal perante o grupo. É o ancestral direito natural, o conjunto de usos, costumes, hábitos locais, tradições, regras de cunho ético, moral e religioso (não se espantem!) que pre-existem à norma escrita. Tal direito é reconhecido e usado até hoje, juntamente com os princípios gerais do direito quando falta ou há lacuna na lei. Em alguns lugares, ele é tão vivo e forte, que é a regra e não a exceção dentro do sistema jurídico. Exemplo? Inglaterra, berço de toda legislação garantidora daquilo que chamamos de alicerce dos direitos humanos: habeas corpus, direito de ir e vir,  direito de propriedade e herança, direito a um processo legal, sem falar do ato de supremacia (colocando a lei humana acima da lei canônica), da carta magna, et cetera.  Não se pode negar todo arcabouço construído pela humanidade ao longo da sua história. Somos fruto de um processo, que como tal está em desenvolvimento, que não começou ontem, nem anteontem.  O mesmo se dá com as leis, hoje positivadas, que produzimos ainda que montados na garupa de uma lesma.
Ainda que desdenhem, o fato é que o casamento (em sentido amplo) visa proteger os dois numa relação, qualificando-a dentre outras coisas com o grau de exclusividade. Antropologicamente, sua primeira função é informar à comunidade que aquelas duas pessoas possuem um relacionamento diferenciado, onde ambos concordam em lutar em conjunto pela sobrevivência. Concordam em vincular-se de tal modo que um garanta ao outro proteção, amparo, cuidado, companhia, respeito (e eventualmente amor romântico). Os interesses de seu par são colocados num patamar acima dos interesses da demais pessoas do grupo, inclusive dos interesses da família original de cada um. O casamento é um ato que não só gera  direitos e deveres entre as partes mas também formula outros perante a comunidade em geral. A partir daquele momento tem-se marcado o casal monogâmico (fórmula geral da nossa cultura ocidental judaico-cristã) espera-se não só a fidelidade entre ambos como também o respeito de todos para com essa relação. É o velho "não cobiçareis a mulher (ou o homem) do próximo..." Alguns dizem que chegou-se a essa equação como sendo o método mais eficaz para garantir a ordem, a paz e a prosperidade dos primeiros grupos sociais humanos. Aqueles que optaram por tal método de construção comunitária baseada no reconhecimento de casais (e de seus direitos e deveres) teve sucesso, vingou e prosperou tanto que até hoje vemos tal processo como o correto, apesar de não ser o único. Existem outras opções, ainda hoje. A poligamia é aceita em algumas culturas - poucas. 
Muitos digladiam-se com o instituto do casamento tradicional, acusando-o dentre outras coisas de ser uma invenção patriarcal, cujo fim primordial é subjugar a mulher dentro de uma prisão doméstica de modo a garantir que o patrimônio construído seja herdado pela prole do marido. Durante um bom tempo a esposa viveu sim  em uma situação próxima ao cárcere privado, sob a desculpa de que era para sua proteção, com o fim de se assegurar que tivesse relações sexuais apenas com seu esposo. Motivo? Sem drama: uma prole legítima, naquele tempo não havia exame de d.n.a.  Em contrapartida esperava-se que o homem não saísse por aí procriando fora do recesso do lar. Eram tempos onde ser mulher não era fácil. Passaram, são lutas vencidas e batalhas superadas. Cabe reconhecê-las mas não remoê-las. O fato é que no dia que o homem percebeu que a tinha alguma parte na concepção da vida gerada pela mulher a sociedade matriarcal foi à falência, infelizmente. 
Ainda bem!
O mundo mudou, evoluímos, o casamento sobrevive como núcleo social reconhecido, ainda que tenha mudado bastante. Homens e mulheres estão superando os últimos séculos de patriarcado tosco, há cicatrizes a serem curadas, mas a hemorragia principal foi contida. Há problemas ainda a serem enfrentados,  não vou tapar o sol com a peneira. Nem tudo são flores dentro - ou fora - de um casamento. Dificilmente veremos renascer a figura do marido-senhor e amo e da esposa-serviçal e despossuída de voz e valor. A validade desse produto venceu. 

O progresso de abertura e enfrentamento honesto das diversidades sociais chegou a esse ponto hoje, ao ponto de debatermos civilizadamente a ampliação do instituto casamento para casais do mesmo sexo. Quando nascemos (outro dia) tal possibilidade sequer era pensada. Ver casais do mesmo sexo buscando proteger seu relacionamento com o aval social do contrato "casamento" só me faz concluir que talvez esse tão combalido instrumento ainda seja um bom negócio para a sociedade.   
Todo casal tem em si o potencial, ou a expectativa,  de tornar-se um dia uma célula familiar. Sei que a questão envolvendo a possível formação e criação de filhos dentro de um núcleo familiar gay incomoda alguns. Teria um casal gay capacidade de bem educar uma criança adotada ou mesmo gerada biologicamente? Boa pergunta. Faço a mesma para todo e qualquer casal heterossexual: Vocês estão preparados para serem pais? Bons pais? Um casal heterossexual é via de regra capaz de criar um bom ambiente familiar? Ou de gerar um ambiente mais equilibrado, amoroso e melhor? Tenho cá minhas dúvidas. Talvez um casal heterossexual seja capaz de repetir apenas uma fórmula que consideramos "normal". Nada além disso. Não é ruim ser normal, mas não há nada de mal em ser diferente. 

Não é a escolha do gênero de quem levo para cama que me torna mais ou menos capaz de ser um bom exemplo para o meu filho. A opção sexual de alguém não mede sua capacidade intelectual, seu caráter, sua moral, seus princípios ou convicções políticas e religiosas. Tenho sim minha objeções à toda e qualquer forma de violência moral ou sexual, especialmente em se tratando de menores de idade. Mas, mas... MAS, esse tipo de covardia não é privilégio nem de um nem de outro grupo, homossexuais e heterossexuais são nesse aspecto são igualmente capazes de atos de vilania e crueldade. Da mesma forma que são também capazes de atos de generosidade, amor e honra. Sexo nem opção sexual define caráter, jamais me cansarei de repetir isso.  Farei - de novo - minha defesa da liberdade de ser quem se é & de viver sua verdade de forma honesta e sem medo. Não sei o que é ser gay, não posso falar sobre o que vivem e passam para se aceitarem e/ou para serem aceitos. Posso, porém, falar sobre o que é ser humano... ser humano é respeitar o outro, é reconhecer o outro como essencialmente igual, ainda que diferente, mesmo que oposto, principalmente se opositor daquilo que consideramos certo! É confortável lidar com aquilo é nosso espelho. Confortável, tranquilo e aborrecido. A diversidade só faz bem para a evolução da humanidade, Darwin já tinha dado essa dica valiosa ao tratar da genética. A diversidade de ideias, sonhos, projetos, experiência e opções de vida nos faz mais fortes e nos leva a crescer, tanto como indivíduos quanto como grupo. 

Concordo que o caminho religioso é válido para entender a questão do casamento, não o nego. Só prefiro deixar ele de fora no momento. Há sinais de evolução dentro da Igreja Católica, o próprio Papa Francisco disse que a união homoafetiva é fato inegável e que sua figura legal precisa ser regulada. Claro que não aceita a equiparação de casais homossexuais ao heterossexuais, mas já é um avanço reconhecer que existem e que um debate mais amplo deve ser feito sobre o tema, dentro do seio dos próprios credos. Veremos casais gays sendo casando dentro de uma Igreja? Hoje e amanhã não, mas daqui a algum tempo - sou otimista! - talvez consigam entrar juntos numa missa sem correr o risco de serem apedrejados por um fanático qualquer. 

Como disse antes, acredito acima de tudo que D'us é AMOR. De onde posso presumir que o meu amor (abençoado por um padre dentro da Igreja) é melhor, maior, mais bonito ou puro, mais sacro do que o de outro ser humano? Qual a base desse julgamento? Sou uma mulher e amo um homem. Isso faz o meu amor (e o meu casamento) mais importante aos olhos de D`us?!?  Só porque alguém ama outro que é do seu mesmo sexo seu sentimento é inferior ou desprezível? Por algum motivo isso não entra na minha cabeça nem no meu coração, há algo errado aí. Os líderes religiosos podem até negar o sacramento, podem negar sua benção à união homossexual, mas não podem renegar o Amor. E onde há amor verdadeiro há uma centelha divina.  A religião tem, claro, todo direito de opinar sobre o casamento gay mas não pode obrigar que alguém faça ou deixe de fazer algo. Livre arbítrio. Lembra-se dele? Se D`us nos deu livre arbítrio para gerirmos nossas vidas terrenas como quisermos, porque deveríamos ser limitados pela Igreja? Seu papel é orientar moralmente, apoiar espiritualmente, ensinar e ser exemplo de amor, caridade, compreensão e respeito ao próximo... O tempo das fogueiras e dos tribunais da inquisição ficou para trás. Aleluia! 
Ai, meu preconceito sendo formado!


Sobre o casamento estar limitado a seres humanos... sobre os fundamentos que limitam o casamento apenas entre seres humanos? Amo meu gato, reconheço-o como possuidor de alma e fruto do meu mais nobre afeto, mas não o amo suficiente para casar, rs.  Amigo, só rindo. Há quem diga que o ser humano é um animal que deu errado. Sendo assim, talvez o casamento com as demais criaturas de D'us possa nos redimir. Será? Sei que você pegou a deixa ali, quando defini o casamento como um encontro de almas... ai, ai.  No momento recordo-me de certa vez uma cientista apaixonou-se por um símio (um gorila?) que estudava. É esse tema que propõe? Jura que você está querendo um debate sério sobre relacionamento entre humanos e animais? Te adoro! Depois a louca sou eu! Passo, por enquanto vou deixar o desenrolar disso para a turma que acha que bicho de estimação é filho. Por via das dúvidas vou informar pras meninas que não estou aceitando namoro com seres não humanos. É, tenho que assumir essa minha faceta tirana e preconceituosa. Namorado(a) pulguento não rola! Talvez numa próxima etapa evolutiva eu esteja pronta para discutir o caso sem cair na gargalhada. Como lidar com esse tema? Por enquanto só consigo rir das imagens que tomam de assalto minha cabeça. Olha, se aparecer um extra-terrestre jeitoso... prometo pensar na questão de casamento além da fronteira humana. 

3 comentários:

  1. É tanta coisa no nosso dia a dia que acabamos esquecendo dos amigos! Li seu post no dia e tive que deixar para depois pois não dava para ler sem os devidos cuidados.

    As questões que coloquei sobre o casamento se limitar a duas pessoas e seres humanos pode parecer bizarra, mas tem muito a ver com a busca da essência da coisa. Se o fundamento para o casamento é apenas a vontade das pessoas e o amor, então nada impede que três pessoas se casem, ou não? O mesmo vale para um homem e sua gata, se eles se gostam, o que nós temos a ver com isso?

    Não tenho a menor pretensão de chegar no seu nível de conhecimento jurídico e concordo com tudo que disse. A positivação da lei vem depois do fato existente e existe algo chamado direito natural. No caso do casamento, qual seria o direito natural? O que definira o casamento sem utilizar o direito tal como conhecemos? Se o casamento já existia antes, é por que tinha um fundamento. Qual é este fundamento?

    Acho interessante você ter falado sobre potencial de formação de uma família e informar a sociedade de uma relação especial e diferenciada. Talvez o caminho seja por aí mesmo, identificando o casamento com um projeto de futuro, uma série de possibilidades que pode ou não se confirmar com o tempo.

    Restaria saber que consiste este conjunto de possibilidades. O que você acha? Ainda volto ao seu post, cada coisa de cada vez!

    Um abraço.

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  2. Continuando, na intenção de se chegar em um fundamento, um princípio, temos que retirar tudo que é acessório, ou seja, tudo que não essencial para definir um objeto. Se o casamento existe independente do direito, então os conceitos do direito não definem o casamento.

    O mesmo vale para o amor. Quando duas pessoas resolvem se casar, mesmo não se amando, mas por algum outro motivo qualquer como uma proteção mútua, a criação de uma família e etc, seria este casamento menos legítimo? A história está repleto de casamentos que foram celebrados sem amor, inclusive muitos que resultaram em uma amor sincero posteriormente. Não seriam estes também casamentos? Isso não sugere que o amor não está na essência de um casamento embora seja sem dúvida um fator importante?

    O direito natural não pressupõe que exista normas duradouras e universais, que independem da cultura ou da época? Se for assim, não teria o casamento uma definição que o tornasse completamente independente do local e do tempo em que é considerado? Seria o casamento uma realidade em si ou uma construção cultural?

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