Olho e não sinto nada. Estou com os dois pés no chão.
De vez em quando releio o que escrevo, é interessante.
O registro de fatos, pensamentos e emoções é um exercício e tanto.
Algumas vezes me reconheço, noutras não mais.
Hoje resolvi anotar para não deixar passar em branco a novidade.
Vazio. Vazio total.
Não sei se isso que estou detectando agora é o objetivo da meditação.
Deixar fluir, deixar passar, não se alterar.
É novo, é diferente.
Os pensamentos vem, mas não alteram em nada a sensação.
Sequer há sensação a ser alterada.
Sequer há sensação a ser alterada.
Não é indiferença, ainda que de repente tudo tenha se tornado indiferente.
Bom ou mau, certo ou erado, amor ou ódio, mágoa ou perdão.
Tanto faz. Simples assim: tanto faz.
Dor e cura. Veneno e remédio. Treva e luz.
Sofrimento e êxtase.
Nenhum desejo, nenhum asco.
Nada. Nada. Nada.
Vazia de cor, vazia de sede, vazia de mim.
Há alguns anos vi um filme sobre a vida de uma jovem santa.
Acho que já falei sobre isso aqui. Em determinada passagem dele aparece o
pai da moça, um açougueiro. Duas freiras entram e aguardam o fim da fila para
serem atendidas. Quando o açougueiro pergunta o que desejam elas respondem
que tanto faz. Ele se aborrece e entrega um pedaço de carne qualquer.
De todo filme sempre foi esse momento em que mais me identifiquei:
a completa incapacidade dele de entender pessoas que não desejam.
Pessoas tanto faz. A filha e futura santa se vê imediatamente em harmonia
com as religiosas, acha lindo o não desejar, o aceitar o que vier.
Hoje entendo o que ela queria.
Não querer é paz. Aceitar e receber o que lhe for oferecido em paz.
Pessoas tanto faz são pessoas em paz?
Talvez sim. Talvez não. Tanto faz.
Dizem que é isso que os monges budistas e iogues sentem.
O vazio da mente, a calma do coração. Equilíbrio.
Olhar para o passado, ver o presente e enxergar o futuro em calma.
Assistir seus pensamentos passando... e deixar o caminho livre.
Vieram, virão. Se foram.
O mesmo com os sentimentos. Como se deixassem de ter peso.
Estranho sentir-se vazia. Não é bom. Não é ruim.
Imaginem o não se importar... com o que antes tinha importância.
Por exemplo, um beijo.
Um beijo desejado, querido, aguardado. Suplicado em silêncio por anos a fio.
Imaginem ficar sem esse beijo. Não qualquer beijo, esse. O especial.
Mais especial ainda posto que é raro. Torna-se um beijo ansiado, sofrido.
E de repente beijar ou não perde significado e significância.
O sabor sumiu. Assim como a vontade de ser beijada. Nada.
Tanto faz amar, ser amada. Indiferença.
Tanto faz entender ou fazer-se entendida.
Calor, frio. Sol, chuva. Alegria, infortúnio.
Acabou o desejar, evaporou-se.
Assim como a vontade de retribuir. Não há mais nada.
Só o vazio completo.
Como se de repente gozar ou não fossem a mesma coisa.
Não similares, não parecidas. Mas iguais.
Tanto faz. Serenidade.
Olhar para o chocolate e não tocá-lo, sequer chegar perto.
Já conhece o cheiro, o sabor, a textura.
Só não o quer mais. Saciada.
Não é estar cheia, enjoada.
É estar vazia. Oca do mundo.
Se me disserem agora faça isso ou aquilo.
Farei e pronto, não há mais distinção entre o isso ou aquilo.
Tudo igual, vida ou morte.
Minha lista de afazeres passa pela cabeça...
Amanhã: primeiro lá, depois cá, na volta acolá.
Tanto faz mais o lugar ou o fazer.
Pouco importa o que acontecer.
Causas geram consequências.
Tem hora que são aleatórias, noutras não.
Coisas boas acontecem, ruins também.
Coisas boas acontecem para pessoas boas e ruins.
Coisas ruins acontecem para pessoas ruins e boas também.
Coisas acontecem ou não.
Tanto faz.
Estou vazia de dúvidas e certezas.
Até a fé alterou-se.
Sinto uma calma sem fim, mas não é anestesia.
Paralisia ativa de uma alma plena de quietudes.
Na verdade é um não sentir consciente. É mais um perceber.
Como se tivesse me tornado apenas um ponto de passagem.
Um porteiro educado que diz bom dia, boa tarde e boa noite para os acontecimentos.
Aconteceu de hoje passar esse sentimento: Olá, senhor sentimento, passe bem!
Depois surgiu outro: Com vai? Quanto tempo! Vai ficar para o feriado?
Enfim... tudo passa, todos passam. Até o porteiro.
Tornei-me recepcionista de minha vida.
Barqueira da morte, contemplo o rio d'almas.
Cai-me bem tanto os campos elísios quanto o tártaro.
Hoje seria uma noite para fazer a passagem.
Respirar ou não já não faz diferença.
Sinto, a bem dizer não sinto... apenas escuto um chamado dizendo:
Volte pra casa.
Se tivesse sobrado algum ímpeto responderia:
Já vou.
Ir ou não também não faz mais diferença.
Mesmo peso, mesmo valor. Tanto faz.
Fico pensando como será um dia reler sobre o vazio que me preencheu.
Vazios são estranhos, com o nada tomam conta da gente.
O vazio ocupa espaço.
Só não sei quanto tempo tomará.
Nunca tinha abrigado um buraco negro.
É perigoso?
Tanto faz.
Vou-me em paz.
Vazia de mim.
Vazia de todos.
Vazia de tudo.
Vazia, apenas vou.
Oi Oi Oi! Sou nova por aqui, mas confesso que gosto imenso de td que leio..
ResponderExcluirUm bju grande e uma semana linda e cheiiiiia de positividade pra vc!
Joanna
http://mapetitelima01.blogspot.fr/
Seja bem vinda Joanna! Bjks.
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