segunda-feira, 22 de outubro de 2012

VAZIA

Olho e não sinto nada. Estou com os dois pés no chão.
De vez em quando releio o que escrevo, é interessante.
O registro de fatos, pensamentos e emoções é um exercício e tanto.
Algumas vezes me reconheço, noutras não mais.
Hoje resolvi anotar para não deixar passar em branco a novidade.
Vazio. Vazio total. 
Não sei se isso que estou detectando agora é o objetivo da meditação.
Deixar fluir, deixar passar, não se alterar. 
É novo, é diferente.
Os pensamentos vem, mas não alteram em nada a sensação.
Sequer há sensação a ser alterada.
Não é indiferença, ainda que de repente tudo tenha se tornado indiferente.
Bom ou mau, certo ou erado, amor ou ódio, mágoa ou perdão.
Tanto faz. Simples assim: tanto faz.
Dor e cura. Veneno e remédio. Treva e luz.
Sofrimento e êxtase.
Nenhum desejo, nenhum asco. 
Nada. Nada. Nada.
Vazia de cor, vazia de sede, vazia de mim.
Há alguns anos vi um filme sobre a vida de uma jovem santa.
Acho que já falei sobre isso aqui. Em determinada passagem dele aparece o
pai da moça, um açougueiro. Duas freiras entram e aguardam o fim da fila para 
serem atendidas. Quando o açougueiro pergunta o que desejam elas respondem
que tanto faz. Ele se aborrece e entrega um pedaço de carne qualquer. 
De todo filme sempre foi esse momento em que mais me identifiquei: 
a completa incapacidade dele de entender pessoas que não desejam.
Pessoas tanto faz. A filha e futura santa se vê imediatamente em harmonia 
com as religiosas, acha lindo o não desejar, o aceitar o que vier. 
Hoje entendo o que ela queria. 
Não querer é paz. Aceitar e receber o que lhe for oferecido em paz.
Pessoas tanto faz são pessoas em paz?
Talvez sim. Talvez não. Tanto faz.
Dizem que é isso que os monges budistas e iogues sentem. 
O vazio da mente, a calma do coração. Equilíbrio.
Olhar para o passado, ver o presente e enxergar o futuro em calma.
Assistir seus pensamentos passando... e deixar o caminho livre.
Vieram, virão. Se foram.
O mesmo com os sentimentos. Como se deixassem de ter peso.
Estranho sentir-se vazia. Não é bom. Não é ruim. 
Imaginem o não se importar... com o que antes tinha importância.
Por exemplo, um beijo.
Um beijo desejado, querido, aguardado. Suplicado em silêncio por anos a fio.
Imaginem ficar sem esse beijo. Não qualquer beijo, esse. O especial.
Mais especial ainda posto que é raro. Torna-se um beijo ansiado, sofrido.
E de repente beijar ou não perde significado e significância.
O sabor sumiu. Assim como a vontade de ser beijada. Nada.
Tanto faz amar, ser amada. Indiferença.
Tanto faz entender ou fazer-se entendida.
Calor, frio. Sol, chuva. Alegria, infortúnio.
Acabou o desejar, evaporou-se.
Assim como a vontade de retribuir. Não há mais nada.
Só o vazio completo.
Como se de repente gozar ou não fossem a mesma coisa.
Não similares, não parecidas. Mas iguais. 
Tanto faz. Serenidade.
Olhar para o chocolate e não tocá-lo, sequer chegar perto.
Já conhece o cheiro, o sabor, a textura. 
Só não o quer mais. Saciada.
Não é estar cheia, enjoada. 
É estar vazia. Oca do mundo.
Se me disserem agora faça isso ou aquilo.
Farei e pronto, não há mais distinção entre o isso ou aquilo.
Tudo igual, vida ou morte. 
Minha lista de afazeres passa pela cabeça...
Amanhã: primeiro lá, depois cá, na volta acolá.
Tanto faz mais o lugar ou o fazer.
Pouco importa o que acontecer.
Causas geram consequências. 
Tem hora que são aleatórias, noutras não.
Coisas boas acontecem, ruins também.
Coisas boas acontecem para pessoas boas e ruins.
Coisas ruins acontecem para pessoas ruins e boas também.
Coisas acontecem ou não.
Tanto faz.
Estou vazia de dúvidas e certezas.
Até a fé alterou-se. 
Sinto uma calma sem fim, mas não é anestesia.
Paralisia ativa de uma alma plena de quietudes.
Na verdade é um não sentir consciente. É mais um perceber.
Como se tivesse me tornado apenas um ponto de passagem.
Um porteiro educado que diz bom dia, boa tarde e boa noite para os acontecimentos.
Aconteceu de hoje passar esse sentimento: Olá, senhor sentimento, passe bem!
Depois surgiu outro: Com vai? Quanto tempo! Vai ficar para o feriado?
Enfim... tudo passa, todos passam. Até o porteiro.
Tornei-me recepcionista de minha vida.
Barqueira da morte, contemplo o rio d'almas. 
Cai-me bem tanto os campos elísios quanto o tártaro.
Hoje seria uma noite para fazer a passagem.
Respirar ou não já não faz diferença.
Sinto, a bem dizer não sinto... apenas escuto um chamado dizendo: 
Volte pra casa.
Se tivesse sobrado algum ímpeto responderia:
Já vou.
Ir ou não também não faz mais diferença.
Mesmo peso, mesmo valor. Tanto faz.
Fico pensando como será um dia reler sobre o vazio que me preencheu.
Vazios são estranhos, com o nada tomam conta da gente.
O vazio ocupa espaço.
Só não sei quanto tempo tomará.
Nunca tinha abrigado um buraco negro.
É perigoso?
Tanto faz.
Vou-me em paz.
Vazia de mim.
Vazia de todos.
Vazia de tudo.
Vazia, apenas vou.

2 comentários:

  1. Oi Oi Oi! Sou nova por aqui, mas confesso que gosto imenso de td que leio..
    Um bju grande e uma semana linda e cheiiiiia de positividade pra vc!
    Joanna

    http://mapetitelima01.blogspot.fr/

    ResponderExcluir

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