domingo, 27 de maio de 2012

Marcha das Vadias? Serão mesmo?

"problematizar"? aff... detesto esse palavratório arcaico
Ontem começou a pipocar no jornais e na web notícias acerca da marcha das vadias. Está repercutindo... e isso é interessante. Bom mesmo. Há alguns dias já sabia do movimento pois leio (e gosto muito) do blog Escreva Lola Escreva, e confesso fiquei satisfeita e ligeiramente surpresa com o sucesso do evento. Sim, é um sucesso, pois está na mídia, está sendo comentado e isso é o que conta realmente quando o que se quer é divulgar idéias. Trazer o tema à tona é importante apesar do tempo de queimar sutiãns já ter passado. Não vou ficar aqui fazendo defesa de ninguém ou acusando, não sou nem pretendo ser juíza da opinião alheia. Sou sim, dona da minha opinião e é esta que pretendo compartilhar com quem tiver paciência para ler. 

(espero que estejam confortáveis... o texto vai ser loooooongo - estejam preparados)

Espartilhos? Só para seduzir...
Aparentemente posso ser aquilo que chamam de "certinha", "boa moça" e até "enquadrada". Aparências enganam. Muito. Fui sim educada dentro do que todos podem chamar de sólidos princípios morais da sociedade judaico-cristã-ocidental, o que obviamente se reduz para muitos em machismo na veia. Os que sabem que meu pai é militar então... imaginam horrores como toque de alvorada e de recolher diários além de disciplina castrense em casa. Com mãe e toda família materna direto das Gerais então... começam a pensar na combalida "tradicional família mineira". Ledo engano. Acho muito divertido todos esses pre-conceitos. 
Em casa sempre imperou um matriarcado feroz, para dizer pouco. Mulheres fortes e determinadas sempre marcaram a história da família. Homens precisam, literalmente, rebolar para se manter nesse ambiente onde são clara minoria. Outro dia fui, por curiosidade, fazer as contas... uma pequena estatística familiar e me surpreendi. Apesar de sempre ter aceitado o domínio numérico feminino na família, me surpreendi ao descobrir que não somos tantas assim (mas não espalhem...).
Vejamos como funciona o meio ambiente onde fui gerada: Meu pai é filho único criado por uma mãe separada (isso naquele tempo era o que se pode chamar de c a o s, não?). Ou seja, sua referência de poder e força sempre veio de uma saia, caso raro. Minha mãe, por outro lado vem de uma estirpe onde os cromossomos X reinam à vontade. É a mais velha de quatro irmãs. Minha avó materna também é a primogênita de seis mulheres (há o relato de um único filho homem que fugiu de casa sem deixar paradeiro, nunca soubemos dele).  Minha bisavó é outra de uma tradição onde mulher tem voz e vontade de sobra, isso lá na virada do século passado, 1900 e bolinha. 
Dela (morreu quando fiz 15 anos) lembro de duas coisas marcantes... uma é o famoso verbo "ruar". A bisa nunca dava satisfações sobre para onde ia, ou o que ia fazer. Dizia pura e simplesmente que ia ruar... e pronto! E quando saía, dona e senhora do seu nariz, não sabíamos se voltaria daqui a uma hora, um dia ou um mês. Afinal ela podia ter ido só na esquina, no armazém, ou poderia ter decidido tomar um ônibus e visitar uma filha ou irmã em outra cidade (ou estado). Uma vez, quando uma das filhas reclamou disso, preocupada com a mãe (já com idade avançada), ela respondeu com uma das suas máximas: quem dá satisfação é filha, para a mãe e não o contrário. Assunto encerrado. Ninguém contestaria a bisa. Sentiram o perigo? Todas mantemos essa velha tradição, de sairmos para "ruar", livres, leves e sem documentos (tá exagerei, sou eu que de vez em quando esqueço de carregar meus documentos, rs). Pessoalmente me sinto super desconfortável com os celulares de hoje em dia, me cheiram a coleira eletrônica. Eu não sou cachorra, não!


A outra grande lembrança vem de uma aventura minha quando pequena. Sou também a primogênita das filhas e das netas e passava as férias sempre no interior de Minas com toda grande família reunida. Minha heroína era a Mulher maravilha e naquele dia tinha enfiado na cabeça que iria encontrá-la. Decidi fazer uma excursão até o alto no morro (era uma mata na época) pois sabia (sempre sabia de tudo, zero problema de auto-estima, rs) que era naquele bosque que ela morava. Usando de minha autoridade (rs) coloquei em movimento minha pequena trupe: minha irmã G2, meu primo R e não estou certa se havia mais alguma criança da vizinhança. Saímos da casa da minha vó, atravessamos a praça da cidade, passamos pelo cemitério, e fomos seguindo até os limites da cidade, quase chegando no objetivo... as ruas calçadas já haviam terminado, estávamos agora em ruas de terra naquilo que hoje chamariam de periferia. Quando descendo pelo caminho damos de cara com a bisa. Claro que ela estranhou encontrar seus bisnetos pequenos (a mais velha - eu - tinha no máximo 6 anos) sozinhos naquele lugar, quase fora nos limites da cidade, mas soube como lidar tranquilamente com tudo aquilo. Depois de informada da nossa jornada, afinal eu estava orgulhosa do meu sucesso... ela entrou na brincadeira, dizendo que estava voltando justamente de lá, e que deveríamos desistir da visitinha naquela tarde pois a mulher maravilha tinha acabado de sair numa missão. Ficamos desolados, mas ela colocou um sorriso nos nossos rostos nos convidando para ir até sua casa tomar guaraná (o melhor do mundo: era regional,  produção pequena, guardado no  porão para ficar fresco e com a tampinha furada com um prego) com pão de queijo. Depois (junto com meu avô Luiz) nos impediu de levar a maior surra do século, rs... Nossos pais queriam nos matar, especialmente a mim... mentora intelectual e líder da grande fuga. Ah, recebi sim umas boas (e poucas) palmadas - eram outros tempos - e isso nunca me impediu de ser quem sou hoje nem me traumatizou.


Como disse antes, dias desses fui fazer as contas... apesar de tudo, nós não somos tantas assim na família, existem sim primos, tios, agregados (maridos & namorados) e cia. Mas somos tão fortes e unidas que continuamos a dominar o centro de comando. Por fim cheguei à conclusão que a força numérica nunca foi tão importante assim. O segredo do nosso domínio sempre foi outro, de ordem mais moral e psicológica do que qualquer outra coisa. Outro dia, na casa de uma tia, eles eram tantos que estavam incomodando, mandamos todos pra fora... foram jogar sinuca no play. Quando desci, uma surpresa: eram tantos! Acabamos tirando uma foto para registrar o evento e a constatação de que a minoria não é tão mínima assim, rs.
Para manter a tradição familiar, tive duas filhas, assim como minha irmã, que teve outras duas. Contamos com que a caçula G3 também faça sua parte, um dia. Minhas filhotas já estão planejando (com minha surpevisão, afinal não nego meu lado ligeiramente déspota de ser) o nome que darão às suAs filhAs. Por enquanto, no topo da lista, estão vencendo Cassandra e Catarina, uma de cada. Nem nos passa pela cabeça escolher nome para um filho ou neto, fora de questão. 
[Aliás, quando me casei fiz um acordo (injusto) com o esposo. Se tivesse filhas, eu escolheria o nome, se viesse um menino... ele estaria livre para escolher ao seu bel prazer. Claro que sabia que nunca-jamais teria um garoto. Mas ele - ingênuo - se iludiu e concordou comigo.]


Chega de memória familiares... 
E é aqui, com as minhas filhas, com sua criação, e com o mundo em que vivem e viverão que a marcha da hora me diz respeito. Não gostei do nome escolhido para a marcha, mas entendo a ironia e aprovo a motivação. Não acho que seja necessário sair mostrando os peitos na rua para ser ouvida, mas sei que funciona - desde o tempos das cavernas, por sinal. Acho não faz sentido nenhum carregar cartazes afirmando que não somos "só uma bunda"  ou que "meu corpo, minhas regras" enquanto usamos dos recursos de sempre para que nos vejam e ouçam. Depois disso quero só ver quem ali tem a coragem de criticar a propaganda da Gisele Bundchen para uma marca de lingerie, que no início do ano causou protestos raivosos de algumas feministas de plantão. Enfim, quem naquela marcha está apta para atirar a primeira pedra no establishment machista? Só me questiono se esse era o tipo de manchete que elas queriam alcançar. Não faço parte de nenhum grupo feminista (não preciso - já nasci em um), sou o que se pode chamar de pessoa comum, uma mulher "normal" e estou aqui para dar meu feedback sobre o evento.


Concordo em gênero, número e grau com quase tudo que estava ali, com os slogans que vi (e o que está por trás deles), a saber: "NÃO VIM DA SUA COSTELA, VC QUE VEIO DO MEU ÚTERO" (perfeito esse), "MEU CORPO, MINHAS REGRAS" (faço aqui minha ressalva pois apesar de concordar com o direito ao aborto para quem assim optar - vivemos num estado laico e pluralista -  sou pessoalmente contra ele, como defensora do direito à vida do feto), "COMO MÃE EDUCO - NEM MACHISTAS NEM SUBMISSAS", "RESPEITO É BOM E A GENTE GOZA", "QUEM INVENTOU QUE ROSA É COISA DE MENINA?" (essa respondo: começou com famoso livro The Common Book of Baby and Child Care, do Dr Spock, de 1946, que se fez pela primeira vez a separação visual de rosa para as meninas e azul para os meninos, tal separação sexista de cores não existia até então, nem era a intenção do doutor-autor, mas... pegou) e fofos do estilo " QUERO BORRAR MEU BATOM E NÃO MEU RÍMEL" (esse tinha cara de facebook, não?) e por aí segue... Posso não aprovar tudo, nem com o "como" foi feito, nem com os excessos cometidos (o caso da igreja em copacabana... precisava disso?), mas vibro com a mobilização e  com a coragem das mulheres que participaram. Meus sinceros cumprimentos. 

Uma amiga (e comadre querida) chegou uma vez de me acusar de "desprezar" os homens... não é bem por aí não. Só não acho que eles estejam com essa bola toda. Para um homem chamar minha atenção e ganhar meu respeito é preciso muito, meus padrões de exigência são bem altos, são femininos de berço. Só que aplico estes igualmente para homens e mulheres, e surpreendentemente... poucos membros do sexo oposto passam com média suficiente. A culpa é de quem? Sinto dizer que se existe um culpado é justamente o sistema permissivo onde aos membros do sexo masculino tudo é aprovado (ou desculpado), bem diferente daquilo que nós, mulheres somos criadas. Ser mulher é ser criada num mundo onde as regras são outras, muito mais sutis, muito mais sofisticadas e que exige uma alta performance todos os dias. O menor engano é tratado como o fim do mundo e um erro qualquer é considerado pecado mortal e imperdoável. 

Quem nunca se deparou com as seguintes comparações:

1. Se vc é mulher e  gosta de sexo... vc é uma p*ta. 
2. Se vc é mulher e  gosta de Britney Spears... vc é uma p*ta. 
 3. Se vc é mulher e  tem amigos homens, vc é uma p*ta.
 4. Se vc é mulher e tem mais de um parceiro sexual, vc é uma p*ta. 
 5. Se vc é mulher e já fez muito sexo, mesmo que com apenas um parceiro, vc é uma p*ta.
 6. Se vc é mulher e  tem fantasias sexuais, vc é uma p*ta.
 7. Se vc é mulher e  se masturba, vc é uma p*ta.
 8. Se vc é mulher e assiste pornografia, vc é uma p*ta.
 9. Se vc é mulher e  dá em cima dos caras, vc é uma p*ta.
 10. Se vc é mulher e  leva sempre camisinhas com você, vc é uma p*ta.
Se vc é mulher... vc é uma p*ta.

 1.    Se vc é homem e  gosta de sexo... vc é um homem.
 2.    Se vc é homem e  gosta de Britney Spears... vc é gay. 
 3.    Se vc é homem e  tem amigas mulheres... vc é um gigolô ou uma bicha. 
 4.    Se vc é homem e  tem mais de uma parceira sexual... vc é um pegador. 
 
5.    Se vc é homem e  faz muito sexo, mesmo que seja apenas com uma parceira, vc é um homem.
 6.    Se vc é homem e tem fantasias sexuais... vc é um pervertido.
 7.    Se vc é homem e se masturba... vc é normal.
 8.    Se vc é homem e assiste pornografia... vc é normal.
 9.    Se vc é homem e  dá em cima das garotas... vc tem iniciativa.
 10.    Se vc é homem e  leva sempre camisinhas com você... vc é esperto.
Se vc é homem... parabéns, há algum espaço pra errar.


O que desejo mesmo é o fim dessa guerra inglória entre putas e garanhões.
Pois é, não é piada apesar de toda generalização. Vou resumir como encaro tudo que foi escrito acima: NÃO É FÁCIL SER MULHER! E não é mesmo... convenhamos. Só que apesar disso, vale a pena. Afinal apresente-se aí o homem que consegue ter orgasmos multiplos, por favor. Alguém? Algum? Que peninha... Brincadeira à parte, vamos ao que importa. Não acho que na luta contra a violência contra a mulher, ou contra a pedofilia, ou pelo reconhecimento da profissão de prostituta (sou a favor!), etc... passe necessariamente pelo direito de ser tão babaca quanto eles. Estamos lutando pelo direito de fazer as mesmas besteiras que os homens? Acho que não. Eu não estou. Defendo sim o direito de sermos tratadas em igualdade de condições com eles, e que possamos receber o mesmo tratamento quando errarmos ou acertarmos. Acredito acima de tudo em causa e consequência, em arcar e sermos responsáveis por nossas ações e por nossos enganos, se for o caso. Defendo um mundo mais verdadeiro onde leia-se o seguinte:

1. Se vc gosta (ou não) de sexo... problema seu.
2. Se vc gosta da Britney Spears... problema seu (gosto não se discute).
3. Se vc tem amigos do sexo oposto... problema seu.
4. Se vc tem vários parceiros sexuais... problema seu (e dos demais envolvidos).
5. Se vc faz muito sexo... problema seu.
6. Se vc tem fantasias sexuais... problema seu.
7. Se vc se masturba... problema seu. 
8. Se vc assiste pornografia... problema seu (desde que não envolva menores de idade, claro).
9. Se vc tem iniciativa (ou não) para procurar um parceiro sexual... problema seu.
10. Se vc carrega camisinhas e se protege de doenças sexualmente transmissíveis... meus parabéns!!!


Que todos sejamos tratados e julgados de acordo com nossas ações, independente do sexo ou opção sexual. Que se agirmos feito um(a) babaca... sejamos reconhecidos como tal, sem maiores traumas. Cada um sendo responsável por seus erros e acertos, nem mais nem menos. Fez uma m*... assuma, por favor. É simples assim. E, por isso, mesmo tão difícil aceitar. É sempre tão mais fácil botar a culpa em algo ou alguém, ou nas circunstâncias, ou no sistema... 
É assim que educo minhas filhas, e como educaria meus filhos, se por acaso tivesse tido algum. 



Liberdade exige RESPONSABILIDADE. 
Direitos requerem DEVERES. 
Toda ação gera uma REAÇÃO.
Arque com as consequências dos seus atos.
Faça o que deseja, quando, onde e como queira, 
não se submeta à pressão ou vontade de 
quem quer que seja: do outro ou do grupo. 
Assuma o que quer, o que faz e seja FELIZ.

Algo mais: se você mulher quer ter filhos, marido, amor eterno e tudo o mais dos contos de fada, ótimo. Está no seu direito também, corra atrás do seu sonho, seja ele qual for. Quem disse que há algo de errado em ser mãe, esposa e dona de casa? Além de ser muito digno, dá um trabalhão danado...
Sobre a questão que é o título do post. Serão as mulheres que participaram da marcha umas vadias? Não, acho que não. Se elas são, também sou uma, então! Uma vadia que adora um salto alto e uma boa encrenca.

5 comentários:

  1. Quando vc avisou que o texto ia ser longo, respirei fundo... mas me envolvi tanto nele que mal o vi passar. E cheguei a me perguntar por que ele nao era mais longo!

    G, seu texto é perfeito. Eu tb tenho duas filhas, sou filha unica e a minha mae tambem... na minha familia somos muitas ( em numero alem de "qualidade").

    Assino embaixo do seu texto.

    E quanto ao nome do bebe, essa regra deveria ser universal, pra evitar filhos com nomes de ex namorados...hehehe

    Meu marido queria por que queria chamar nosso filho ( se tivessemos) de Eduardo ou Rodrigo. Eu disse que nao gostava, que nao queria, que nem ferrando...

    e ele insistindo. Ai confessei a causa real:

    nao quero filho com nome de ex namorado. Imagina só fulano achando que foi "homenageado"??

    Mas o meu dignissimo marido, que tb ja nasceu se achando, nao mudou de idéia. Disse que gostava dos nomes e pronto.

    Graças a Deus vieram a Anita e a Lia.

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    Respostas
    1. Obrigada, lindona.
      Tbm acho essa regrinha muito útil. Ainda bem que vieram Anita e Lia, imagina...
      As meninas daqui suspiram e agradecem por nenhuma delas se chamar "guilherme henrique", que era a opção paterna. Nada contra guilherme ou henrique... mas junto ficou tétrico!
      Confesso que se por um ocaso o destino resolve rir e me dar um filhO... ia mandar essa regra às favas, não gostei nada da escolha dele.
      Bjks.

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  2. Nem preciso falar nada, o texto fala por si. E na hora que li o "ruar" lembrei da nossa conversa! #BateuSaudade

    E tb não gostei do termo "Marcha das Vadias", mas dá pra entender a razão.

    www.falagrasi.blogspot.com

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  3. Caramba, Gê...nem vou me prolongar muito...AMEI o texto!!! Adoro o estilo com que você expressa sua ideias e narra acontecimentos!
    Pena que acabou (você mentiu, disse que o texto era longo!rs)...queria ler mais!
    Beijos de fã!!!
    Dai

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    Respostas
    1. Obrigada, minha lindona! Obrigada de novo pela força lá no Face... agora pouco que vi sua "propaganda" do texto. Bjks.

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