segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sem culpa - nenhuma.

"Por tudo que há de mal no mundo,
 merecemos o máximo do bom. Sem culpa."
by Caio Fernando Abreu

Lembro-me muito bem da minha primeira comunhão, feita no Rio de Janeiro nos anos oitenta e bolinha... Era um pouco mais velha do que as demais crianças, fiz junto com minha irmã um ano mais nova, e isso talvez tenha feito toda a diferença. Não gostava da catequista, mas gostava do tema - religião. Detestei perder durante um ano inteiro todos os domingos naquelas aulas, mas adorava as missas no fim da tarde. Especialmente de ficar no alto do coro, vendo a missa lá de cima, e das músicas... gostava mesmo quando naquela pouca idade já discordava de algumas passagens da bíblia. Saía brava quando já encontrava nas textos do velho - e do novo - testamento  textos machistas ou um radicalismo raivoso que me deixa mal e incomodada sem saber exatamente porquê. E entre dúvidas místicas e uma certa adoração pelo padre Duvílio, o capelão era  um doce de  ser humano, fiz minha primeira comunhão. O dia da primeira confissão foi o mais tormentoso, não esqueço da sensação errada de não sentir culpa. Eu deveria me sentir culpada, pelo menos era o esperado depois daquele ano inteiro de  massiva doutrinação. Fiquei ali, sentada no banco da igreja  enquanto esperava ser chamada , e ia admirando os vitrais... tão lindos.  Olhava os  santos e ia batendo um papo com  eles - já era adepta da conexão divina direta,  naquela  época. Ainda que gostasse e admirasse padres e freiras, não era fã de intermediário, achava que minha relação com Deus era pessoal e dispensava mensageiros, que na minha opnião era tão humanos - e falíveis - quanto eu.  E esse incômodo sentimento  só aumentava, puxa vida...  deveria ter sérios problemas já que não  me sentia culpada por nenhum pecado, pensava.  Chegou minha vez, a primeira ninguém esquece, ainda  mais quando se  torna  a única (até hoje nunca fui fã do confessionário e consegui me livrar da confissão na crisma também). Lá fui, disposta a enfrentar o querido padre - para mim... naquele tempo ele era versão mais próxima do Papai Noel na terra - e eis que munida de uma coragem e ousadia desconhecidas reconheci constrangida que não tinha pecado. Ele, bondoso, riu. Como assim?_Perguntou cheio de paciência. Começei então meu mini discurso dizendo que apesar de cometer algumas faltas - como toda criança - nenhuma delas era grande o bastante para se configurar como pecado capital, e citei que todos os coleguinhas estavam repetindo sem parar.... pequei por desrespeitar pai e mãe, brigar com irmãos, falar palavras feias, et cetera. Sim,  eu também tinha feito cada uma dessas faltas, mas que amava meus pais e irmãs mais do que qualquer problema que tivesse havido, que era no geral uma boa menina e nem falava palavrão, fora nas musiquinhas ensinadas pela Prima Venina, enfim... que achava aquilo tudo pequeno e indigno de confissão e pena. Ele ria da minha inocência. Mas aí, cometi meu engano, estimulada pela receptividade da minha teoria, não parei nesses pecadilhos infantis e abusei declarando que também não me sentia culpada pelo famoso pecado original. Pronto, quem mandou falar mais do que devia, acabei ganhando umas boas aves-marias e pais-nossos para rezar de castigo. O problema é que, até hoje... ainda não engulo essa culpa ancestral do pecado primordial.  Comigo não, me inclua fora dessa, Igreja Católica Apostólica Romana. Qualquer dia ainda vou ter problemas por conta disso, sei. Como ser católica se não assumo a culpa mestra que é a base de toda minha religião?

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