quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O Beijo

Psyche & Cupid - Museu do Louvre, Paris.

Mais do que um símbolo carnal de união e adesão mútua, o beijo tem uma conotação espiritual, um encontro de almas que se desejam e se complementam. Beijar é um ato de entrega, de amor e compromisso, algo que marca indelevelmente dois seres humanos. Não é por acaso que se suspira e espera com ansiedade o primeiro beijo, seja qual for seu sexo ou opção sexual.

Apesar de toda modernidade, de toda liberalidade (ou libertinagem?), todos aspiram por encontrar seu par ideal, aquele cujo beijo o fará sentir borboletas no estômago, estrelas no céu e mudará o rumo da sua vida para sempre. O ideal romântico é tão inatingível que acaba por frustar boa parte das nossas espectativas quando chega a hora H, ou seria hora B, a do primeiro beijo. Existe um antes e depois daquele beijo. Na pior das hipóteses a pessoa deixa de ser um BV, boca virgem...  

Beijar é bom, se não fosse esse hábito, costume, mania, método de demostração de carinho, seja lá como o encaremos... já teria sido substituído por outro sinal de afeto. Qualquer pesquisa leve na internet mostrará sites ensinando a beijar melhor, enumerando e qualificando beijos, fazendo comparações e até determinando o tipo de beijo de cada signo zodiacal. Beijo é assunto sério e prazeroso, estudado por filósofos, teólogos, cientitas, cantado em verso e proza por poetas e analisado durante séculos. Queria saber quem deu o primeiro beijo e descobriu como isso - bem feito, diga-se de passagem - era bom... De onde vem o nosso impulso de beijar?

No Zohar, há um texto relativo ao beijo divino: "Que ele me beije com beijos de sua boca". A citação fala do beijo como comunhão de espírito a espírito, boca a boca, isso porque a boca  é a fonte do sopro, da alma.  É pela boca que são dados beijos de amor que marcam inseparavelmente dois espíritos. Aquele cuja alma sai no beijar adere ao outro e não se separa mais, a esse encontro damos o nome de beijo. 

Na Grécia antiga, os iniciados nos mistérios de Ceres (Deméter) tinham no beijo um signo de concórdia, submissão, respeito e amor. Era acima de tudo um testemunho de comunhão espiritual. No mesmo sentido São Paulo recomenda em Romanos, 16,16: "Saudai-vos mutuamente com um santo beijo. Todas as igrejas de Cristo vos saúdam". Tal costume da igreja primitiva foi alterado por Inocêncio I, que substitui o beijo pessoal pelo beijo a uma placa de metal - PAX - que o celebrante beija e faz beijar, dizendo pax tecum. Essa placa continuará em uso durante muito tempo, sendo mais tarde denominada pátena. Mas o beijo ainda sobrevive nas tradições cristãs, com o hábito de beijar relíquias sagradas de santos e com o beijo fraternal na missa, durante o momento em que os fiéis se cumprimentam na "paz em Cristo".

Beijava-se também pés, joelhos e mãos de reis, juízes, sacerdotes e homens considerados santos, a fim de demonstrar respeito e implorar proteção ou perdão. Na Idade Média, segundo o direito feudal, o vassalo era obrigado a beijar a mão do seu senhor, vem daí a expressão beija-mão, que significa render homenagem. Causava um certo transtorno quando o beijo deveria ser dado ou recebido por uma dama, seja na condição de vassala ou senhora feudal. Beijar como sinal de subserviência não deve ser nada agradável.

Intérpretes do Cântico dos Cânticos também consideram o beijo num sentido de unidade de espírito. Alguns consideram o Espírito Santo como procedente do beijo do Pai no Filho, a encarnação como o beijo entre Verbo e a natureza humana, a união entre a alma e Deus durante a vida terrena, que configuraria o beijo perfeito que se realizará na eternidade. O comentarista  Bernard de Clairvaux fala que o osculum resulta do unitas spiritus e que somente a alma-esposa é digna de ambos. Para São Bernardo o homem encontra-se entre o beijo e o abraço do Pai e do Filho, beijo este que é o Espírito Santo, assim por meio do beijo o homem está unido a Deus e também deificado.

Agora convenhamos, tem algo melhor do que um beijo de amor verdadeiro?
Acho que não. E viva o beijo!

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